O excesso de leis não é a solução

Joycemar Tejo

Advogado pós-graduado

em Direito Público

27/ 03/ 2013

Há uma tendência, no imaginário popular brasileiro, de pensar que mais e mais leis são o remédio para as mazelas nacionais. A cada notícia grave, a cada escândalo, a cada fato que desperta indignação, eis as vozes -dos comentários na esquina aos articulistas dos grandes jornais- exigindo novas leis e maior rigor. Mas é um ledo engano: o excesso de leis não é garantia de êxito de um ordenamento jurídico, ao contrário, leva justamente a seu descrédito.

Rui Barbosa tem uma fala interessante a esse respeito. Diz o jurista baiano que a lei é boa quando bem aplicada. "Mas, no Brasil, a lei se deslegitima, anula e torna inexistente, não só pela bastardia da origem, senão ainda pelos horrores da aplicação" (1). O segredo, singelo, é este: não adianta criar novas leis ou aumentar o rigor das já existentes, e sim lhes dar eficácia. Aplicá-las corretamente. 

No Direito Penal observamos frequentemente essa tendência. Os crimes de repercussão são digeridos com prazer pelo "datenismo" midiático, vociferando sobre a "vergonha" que é o atual estado de coisas e exigindo rigor. Mas são simplórias tanto a análise quanto a solução proposta. É verdade que o atual estado de coisas é uma vergonha; mas é expressão de todo um sistema econômico, capitalista, com todas suas mazelas inerentes, da corrupção nos altos escalões ao trombadinha de rua. O Direito apenas vai dialogar, dialeticamente, com essa realidade, organizando a vida social e regulando-a, sem que tenha, por si só, a força de alterar essa mesma vida social. Como já falamos aqui na WebHumanas (2), o Direito é ferramenta de transformação social, mas justamente como qualquer ferramenta precisa ser convenientemente manejado. As melhores leis são inúteis em meio a uma realidade corrupta; utilizando a parábola bíblica, não adianta à boa semente cair em solo ruim. 

Ainda no campo penal. Ao invés de se majorar a pena do, digamos, crime de descaminho (3), é preciso, antes, entender o porquê de se descaminhar tanto no Brasil. Não é uma obviedade dizer que a carga tributária está altíssima? Aliás, o que se faz de tantos tributos? Têm sido destinados corretamente à satisfação das necessidades públicas? Excesso de tributos, a propósito, não é um mal- já falei disso alhures (4). Insta saber é se cumprem sua função. E a fiscalização, é eficiente? Será que o descaminho não é praticado com tanta assiduidade em razão da fiscalização deficiente e, o que é pior, corrupta? E por aí vai. Como se vê, o tema "descaminho" (apenas um exemplo ao acaso) é abrangente e comporta uma abordagem multidisciplinar. Não é mais fácil, então, para atender ao clamor "popular" e ao oportunismo do parlamento, simplesmente... aumentar as penas, e estamos conversados? E bola pra frente. 

Os problemas no País são inúmeros. Como falado acima, expressão do próprio sistema, de modo que, sem mudança sistêmica, não se avançará muito. Mas desde já há pequenas soluções, pontuais -mas não desprezíveis- que podemos concretizar, e o Direito é fundamental nisso. Tudo depende apenas de interesse (se falta ao poder público, cabe ao povo tomar as rédeas) e a compreensão de que leis em excesso, definitivamente, nada resolvem.

Notas:

(1) "Oração aos moços" - http://bit.ly/hVUbb

(2) "O Direito como ferramenta de transformação" - http://bit.ly/12p3rRU 

(3) Art. 334 do Código Penal: "(...) iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria". 

(4) "Sobre excesso de tributos" - http://bit.ly/U6Kx0Z