Direito do Consumidor e sua natureza pública

Joycemar Tejo

Advogado pós-graduado

em Direito Público

As normas reguladoras das relações de consumo são das mais próximas do cotidiano das pessoas. A cada momento estamos nos colocando na posição de consumidores, desde o ato de pagar uma conta a comprar um jornal, passando pelo ônibus que nos traz ao trabalho. Justamente pelo seu papel diário, a defesa do consumidor recebe da Constituição status público, arrolada dentre os direitos e garantias fundamentais (art. 5º, XXXII) e considerada princípio da atividade econômica (art. 170, V).

O Direito do Consumidor, portanto, em face de seu trato constitucional e sua positivação (1) na lei 8.078/ 90, tem características específicas. Uma delas é o reconhecimento do consumidor como sendo a parte fraca na relação de consumo. É um fato evidente no dia-a-dia: não se pode acreditar que o consumidor esteja em pé de igualdade em relação às empresas. Estas são detentoras do poder econômico, de recursos -logísticos, tecnológicos etc.- e demais referentes ao serviço/ produto prestado. Já o consumidor é leigo, não possuindo recursos ou mesmo instrução mínima para compreender exatamente o que está consumindo. Em vista desse descompasso, o Direito do Consumidor é centrado, justamente, na figura do consumidor, como sendo a parte carecedora de proteção. Isso se materializa em todo o rol de direitos básicos do consumidor previstos no art. 6º da citada lei (com, dentre outros, a inversão do ônus da prova judicialmente; quem tem que provar -ou refutar- o alegado é a empresa, não o consumidor), bem como nas regras de proteção contratual previstas a partir do art. 46, dentre outros exemplos.

Fica claro, logo, que o Direito do Consumidor não agrada ao capitalismo selvagem. Aliás, tudo que diga respeita à proteção e garantia dos direitos fundamentais sofre forte resistência dos poderes político e econômico (este comanda aquele, naturalmente) que, ao menor pretexto, tentam relativizá-los ou mesmo afastá-los de vez. O Direito do Trabalho é outro campo eternamente sob ameaça. O patronato saliva contra os direitos trabalhistas conquistados a ferro e fogo pela classe trabalhadora, e reiteradamente a "flexibilização" -o negociado acima do legislado- é colocada em pauta. Mas também aqui a livre (sic) negociação não pode valer: assim como o consumidor é parte fraca diante do empresariado, o trabalhador é parte fraca diante do patrão. Não houvesse a legislação corrigindo esse abismo, vigoraria, sem pudor, a lei do mais forte. Flexibilizar direitos é sempre um retrocesso social.

Mesmo numa visão estritamente capitalista, racionalmente é importante, em prol da própria subsistência do sistema, a defesa do consumidor. Contudo, o sistema não é racional, antes, é autofágico e vai se arrastando de crise em crise- e eis o Direito do Consumidor vilipendiado rotineiramente. É preciso combater essa tendência e fazer valer a legislação consumerista e, mais que isso, a Constituição. Há uma série de mecanismos para isso -órgãos de defesa do consumidor, PROCON's, juizados especiais cíveis- que devem ser acionados sempre que se verifique o vilipêndio a tais direitos. Os consumidores -isto é, todos nós- não podemos nos omitir quando somos afrontados, afinal, "toda vez que aceitamos alguma injustiça, abrimos as portas para muitas" (2).

Notas:

(1) Positivar é colocar a norma no papel. O Direito positivado, portanto, é aquele escrito- em lei, código etc., isto é, a "regra". Daí o Positivismo jurídico, diferente do Direito natural (Jusnaturalismo), que parte do reconhecimento e aceitação de normas não-escritas, baseadas -conforme a mentalidade de cada época- na natureza, na religião ou na razão. O pós-positivismo (neopositivismo) irá fazer algo como uma síntese dialética entre as duas concepções: Direito é, assim, não apenas aquilo colocado no papel (regras) como também normas não-escritas (princípios), considerando também valores e abordagens morais.

(2) Alysson Leandro Mascaro, "Filosofia do Direito & Filosofia Política".