ademir

O CASO DA VARA

Ademir e Leonardo

Turma 301 2011

Damião fugiu do seminário às dez horas da manhã de uma sexta-feira de dezembro de 1943.

Correu em disparada sem rumo pelas ruas da pequena cidade onde morava em busca de um refúgio ou alguém que o acolhesse em segredo. Após alguns minutos, parou ao ver o susto que tinha causado nas pessoas que estavam na rua. Voltar para casa nem pensar, seu pai o levaria de volta ao seminário depois de uma surra. Lembrou-se do seu padrinho João Barbeiro, mas este não faria nada por ele, já que era um sujeito sem atitude diante de decisões difíceis e ele foi quem levou Damião para o seminário a mando de seu pai. Damião tentou lembrar de alguma casa de parentes ou amigos que o abrigassem em segredo, mas nenhuma parecia ser segura, já eles temiam seu pai que era homem dado a violências. Lembrou-se de repente de Dona Rita, uma mulher bonita que era professora de tricô e bordado e que era muito querida por seu padrinho. Ele tinha noção de que havia algo mais que amizade entre eles e resolveu tirar proveito disso. Ainda confuso não lembrava onde ficava a casa de Dona Rita, só minutos depois lembrou que era na rua da Prefeitura.

Damião encontrou a porta destrancada e entrou correndo pela sala da casa assustando Dona Rita que estava sentada no sofá. Sinhá Rita deu um grito e perguntou:

o que é isso?

-- Já respondo disse Damião, que logo foi fechando a porta para não ser visto. Espiou pela vigia da porta para ter certeza de que não foi visto, só então começou a explicar que tinha fugido do seminário, pois aquela vida de estudar a Bíblia e rezar junto de tantos homens não era para ele. Disse que gostava de conversar tanto com homens como com mulheres, muito mais com mulheres e que por isso jamais seria um bom padre e que se voltasse para o seminário morreria de desgosto ou cometeria suicídio.

Dona Rita disse que nada poderia fazer para ajudá-lo.

-- Se Sinhá quiser pode sim.

Dona Rita respondeu que não balançando a cabeça e dizendo:

seu pai é um homem muito severo. Não me meto, não.

Damião, em desespero, pediu a Dona Rita que tentasse já que era uma mulher muito bonita e que ninguém lhe negaria um pedido.

-- Para lá, -- não volto disse -- Damião; prefiro a morte.

Dona Rita pensou durante um tempo e disse para Damião pedir ajuda a seu padrinho João Barbeiro.

--João Barbeiro? Esse não faria nada por mim nem por ninguém.

--Por ninguém? --disse Dona Rita com firmeza. -- Veremos se não. Mandou um menino chamar João Barbeiro imediatamente, sem demora.

João Barbeiro chegou apressado e tomou um susto quando viu Damião.

-- Cruzes! O que faz esse moço aqui? -- gritou João Barbeiro.

Damião explicou rapidamente para o padrinho o ocorrido. João Barbeiro ficou pálido com a notícia, não sabia o que falar. Depois de um tempo disse que não podia fazer nada, já que o pai de Damião era nervoso e agressivo e podia bater nele. Foi então que Dona Rita disse, em tom áspero, que não aceitaria um não como resposta, olhando de um jeito que ele logo entendeu que seria o fim do relacionamento. João Barbeiro ficou mudo, pensativo, imaginando o quanto seria ruim perder a amizade e os carinhos de Dona Rita que tanto o agradavam.

-- Então vá logo falar com o pai do moço João! -- gritou Dona Rita.

-- Já vou, já vou, -- disse João Barbeiro saindo apressado.

João barbeiro sabia que não seria fácil convencer o compadre, que era duro como pedra e que podia até apanhar por intrometer-se nas relações de pai e filho.

Enquanto João Barbeiro tomava caminho, Damião e Dona Rita conversavam e se divertiam com piadas e brincadeiras. Damião pensava como João Barbeiro teria conquistado Dona Rita, uma mulher tão bonita, divertida e de caráter forte. Damião, sem que Dona Rita percebesse, prestava muita atenção na sua beleza, tanto que não prestava atenção no que Dona Rita dizia.

Dentre as alunas de Dona Rita, uma menina negra e franzina chamada Lucrécia, prestando atenção na conversa, se distraíra chamando a atenção de Dona Rita, que lhe fez uma ameaça.

-- Lucrécia, olha a vara!

Se chegasse a noite e o trabalho não estivesse concluído Lucrécia seria castigada com a vara.

Damião olhou para a pequena Lucrécia e teve pena da menina, tão pequena e frágil e já sofrendo castigos por tão pouco. As crianças não deveriam ter tanta responsabilidade, pensou Damião.

Já chegando à noite, Dona Rita convidou Damião para jantar e deixar de tristezas, levando-o à sala de jantar pelas mãos, o que fez aparecer no rosto de Damião um discreto sorriso.

-- A senhora acha que o meu padrinho vai conseguir?

-- Claro que vai, depois do jeito que lhe pedi, -- falou Dona Rita muito confiante.

Depois do jantar, Damião e Dona Rita voltaram às brincadeiras e piadas da manhã. O som de vozes vindas da sala de estar assustaram Damião, que perguntou.

Vieram me levar de volta para o seminário?

Levantaram-se e passaram à sala. As vozes eram de moças das redondezas que visitavam Dona Rita todos os dias no início da noite.

As alunas, terminado o jantar retornaram ao trabalho. Os sussurros e as falas das moças faziam tão bem a Damião que ele até esqueceu do resto. Após conversarem e Damião ter repetido as anedotas e piadas que tanto agradaram Dona Rita. Lucrecia, desta vez, não tirou os olhos do trabalho para não receber o castigo anunciado.

Logo que as alunas e as visitas se foram, Damião foi ficando preocupado. O que seu padrinho tinha conseguido? O tempo foi passando e nada de João Barbeiro aparecer. Ele começou a desconfiar que tinha dado tudo errado e que o padrinho já tinha informado seu paradeiro. Era questão de tempo para ele voltar ao seminário. Damião foi ver se tinha como fugir pelos fundos da casa, ou se podia se esconder na casa de um vizinho. O pior que ele ainda estava de batina; se Dona Rita pudesse lhe arranjar umas roupas, uma camisa e uma calça para não ser tão notado. Dona Rita conseguiu-lhe umas roupas que João Barbeiro havia deixado.

Não demorou muito para que um menino aparecesse com uma carta de João Barbeiro para Dona Rita. A carta contava como João Barbeiro tinha sido insistente com o pai de Damião, e os argumentos eram de que Damião não servia mesmo para padre já que gostava da vida com os amigos e do convívio com mulheres. Era melhor ter um filho assim do que ter um padre imprestável. O pai de Damião ficara furioso e queria bater em João. João Barbeiro insistiu muito para que o compadre deixasse a coisa assim mesmo, que pensasse melhor na situação do filho.

Terminava dizendo que se seu pai não o queria de volta e que Damião poderia morar com ele.

Dona Rita pegou uma caneta e escreveu no verso da carta: “João Barbeiro, ou você resolve isso para Damião ou não quero mais você na minha casa”. Chamou um rapaz e mandou entregar a carta a João. Sinhá Rita tentou animar Damião, pegando-o pela mão e dizendo que se João não resolvesse logo ele poderia morar em quarto nos fundos da casa sem nenhum custo.

O tempo tinha passado muito rápido e era hora de encerrar os trabalhos das alunas naquele dia. Dona Rita deu uma olhada geral e viu que só o de Lucrécia não estava concluído, Dona Rita ficou enfurecida com a pequena Lucrécia e pegou-a pela orelha.

-- Lucrécia! Não te avisei para te concentrar no trabalho?

Lucrécia se debatia tentando se livrar das mãos de Dona Rita, pedia, por favor, me deixe. ------Peço que me perdoe, não vai acontecer mais, juro!

Lucrécia consegue escapar das mãos de Dona Rita e foge para um quarto, mas Dona Rita pegou-a novamente pela orelha e levou-a para a sala.

--Onde está a vara?

Damião fez que não ouviu.

--Damião, pegue a vara que está perto do sofá e me traga aqui! Falou raivosa.

--Damião ficou horrorizado, imóvel diante da cena. Tinha ficado dó da menina e pensava em fazer Dona Rita desistir de surrar-la já que a menina tinha se atrasado com o trabalho por conta da presença dele.

--Dê-me a droga da vara já, Damião!

Damião estava hesitante ouvindo uma pedir a vara e a outra chorando e pedindo que não pegasse a vara do castigo.

Dona Rita estava com o rosto vermelho de raiva e seus olhos arregalados parecendo que ia ter um infarto.

Damião ainda imóvel pensava no sofrimento de Lucrécia; mas não podia perder a chance de se livrar do seminário!

Damião pegou a vara e entregou-a à Dona Rita, mas no último instante interveio, pedindo a Sinhá Rita que aceitasse que ele tomasse o lugar de Lucrécia.

Dona Rita foi tomada de surpresa já que nunca tinha passado por tal situação. Parada não sabia o se ignorava o pedido de Damião ou se o surrava bastante por ter a audácia de se meter em um assunto particular.

-- Damião aproximou-se de Dona Rita e a fitou nos olhos dizendo:

aceite meu pedido!

Dona Rita percebeu que estava para perder o controle da situação já que se afeiçoara ao rapaz e aquele gesto a fez perceber que a presença de Damião era muito importante para ela.

Dona Rita soltou Lucrécia e mando-a para casa depressa.

-- E agora Damião está pronto para o castigo?

Damião fez sinal com a cabeça que sim. Então se aproximou de Dona Rita, olhando-a nos olhos e esperando as varadas que não vieram.

-- Que droga, Damião, você tinha que fazer isso? Você tem o coração mole e está amolecendo o meu também.

Dona Rita mandou Damião ir para a cozinha comer algo antes de jantar enquanto ela preparava o quarto para ele. Terminada a arrumação, foi à cozinha falar com Damião, que a aguardava com um sorriso.

Dona Rita estava confusa com a situação de estar sozinha em casa com rapaz que precisava tanto de apoio. Damião foi para o quarto e deitou-se pensando em como seria o dia seguinte. Dona Rita apagou todas as luzes e dirigiu-se ao quarto de Damião para ver se estava tudo bem. Sentou-se na cama e puxou conversa com o rapaz. Foi nesse momento que Damião sugeriu que ela ficasse ali até ele pegar no sono.

Nesse momento Dona Rita levantou os lençóis e deitou-se com Damião.

No dia seguinte João Barbeiro já não era mais o preferido de Dona Rita, fora substituído pelo afilhado. Dona Rita era outra mulher e não tinha mais tantos acessos de raiva, pois agora tinha mais o que fazer, cuidar e se divertir com Damião.