estruturas arcaicas em um  brasil moderno

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Estruturas arcaicas no Brasil moderno.

Prof Me Alexandre Lobo

Entre as diversas formas de classificar os grupos sociais podemos fazer uso do conceito marxista de classe social, mas também podemos usar o conceito de estamento desenvolvido por Max Weber. Embora ambos pertençam a contextos e corpos teóricos distintos, podem ser aplicados a uma mesma realidade. É o caso da estrutura social do Brasil Colônia. Se por um lado, pode-se pensar na relação senhor X escravo pela posição na produção social, de um lado, possuidores de bens de produção, de outro, possuidores da capacidade de trabalho, também podemos pensar em uma estrutura estamental, principalmente nos primeiros séculos de colonização. Era uma estrutura estamental porque se baseava em status, em questões de valores e possuía uma estrutura rígida, sem mobilidade, ou seja, uma vez escravo, sempre escravo.

Enquanto o conceito de classe tem por base a questão econômica, o conceito de estamento, a questão cultural. O senhor de engenho correspondia, por exemplo, assim como o nobre feudal, a um tipo de estamento que possuía valores e atitudes próprias como distinção. Claro, a questão cultural não se afasta e muito menos elimina a questão econômica, o privilégio de pertencer a categoria de senhor de engenho se deve a possuir, inicialmente, condições necessárias a pertencer a determinado estamento. Bem, pertencer a um estamento privilegiado significa possuir, obviamente, privilégios. O engenho funcionava como um espaço autônomo, onde o senhor de engenho era soberano, dominado a questão tanto jurídica, pela possibilidade de julgar e condenar filhos, esposas, apadrinhados e escravos sem interferência de um poder externo, quanto religiosa, pois era comum na casa grande haver um espaço reservado a cultos católicos.

Como forma de distinção social, o senhor de engenho não deveria trabalhar, e muito menos com as mãos. Até final do século XIX, no Brasil, profissões como dentista e médico, eram mau vistas, pois faziam uso das mãos. O trabalho manual estava relacionado com o trabalho escravo. No chamado Antigo Regime, uma das formas de distinguir a nobreza da burguesia eram as etiquetas. Comer de talheres, por exemplo, era sinal de refinamento.

Em torno do senhor de engenho, criava-se o patriarcado. O senhor de engenho era o patriarca, o pai, e em sua vota, em seu domínio, filhos, mulher, escravos e brancos pobres, os agregados. O agregado era aquele que vivia de favores ao senhor de engenho, que dele dependia para sobreviver, mas que também lhe devia serviços. O agregado deveria estar sempre pronto para executar serviços, mesmo que ilícitos, ao patriarca. Quando o Estado brasileiro se burocratiza, criando uma camada média de funcionários públicos, se institucionaliza a influência dos patriarcas, não mais apenas de engelho, mas latifundiários em geral, na distribuição de cargos, afinal, foram eles quem influenciaram nas eleições, colocaram determinados políticos no poder. Vale lembrar a questão do voto descoberto na República Velha.

Forma-se então uma estrutura de apadrinhamento em que o público se confunde com o privado. É aquela prática de funcionários públicos ou mesmo privados se apropriarem das estruturas em que trabalho como se estas fossem suas ou destinadas a lhe servirem. Se este funcionário ocupar cargos da alta hierarquia, postos de comando, funcionários subordinados privilegiados serão aqueles que estiverem entre suas relações pessoais. Questões profissionais são deixadas de lado, a amizade conta mais que a competência. Forma-se então uma estrutura de relações baseadas no “uma mão lava a outra”, ou no “toma lá, da cá”. Os funcionários de cargos de chefia mantém então reconhecimento de seu poder a partir de troca de favores e distribuição de privilégios onde o que conta mais é ser “amigo do rei”. Essa estrutura passa desde o alto da burocracia até a base e se mantém por uma cultura, deturpando o sentido de serviço público.

Se pensarmos que um dos princípios básicos da democracia é a igualdade de todos, ela passa a não funcionar na estrutura de apadrinhamento. Mesmo depois de institucionalizado o processo de concurso público, permaneceu a cultura de confundir o público com o privado, pois a embora venha de longe, de uma tradição aristocrática, ela se mantém nas práticas diárias entre uma população muitas vezes mal remunerada que busca formas compensatória na apropriação do que em princípio é público, ou seja, destinado a servir a uma população de forma indistinta.