A respeito do conceito de raça

A respeito do conceito de raça

Professor Alexandre Lobo

O uso do conceito de raça para classificar a diversidade da espécie humana, embora comum, não se sustenta cientificamente. A espécie humana apresenta características muito variáveis que impossibilitam tal classificação de forma precisa. O próprio termo sofreu alterações de significado. Além disto, foi usado como justificativa de um Estado para domínio de outros povos ou mesmo de genocídio. O termo, para classificar seres humanos, teve um papel muito mais político e ideológico que propriamente científico.

O termo raça deriva do italiano, razza, encontrado em 1180. Já em 1438, no castelhano antigo, o termo indicava pano com defeito. Embora já com caráter pejorativo, não tinha referência aos seres humanos. Entretanto, como forma de identificação, as civilizações, desde os primórdios, já buscavam catalogar as diferentes populações.  As classificações com sentido negativo já ocorrem desde o mundo antigo, os Gregos e Romanos chamavam quem não fosse, respectivamente, quem não fosse grego ou romano de bárbaros.” Nós, os gregos” ou “romanos”, e os outros, os bárbaros, mas é na Baixa Idade Média em que as classificações para a espécie humana vão usar o termo raça. O critério racial referia-se a religiosidade. Judeus e muçulmanos eram de raça distintas em relação aos católicos. Na Idade Moderna, com a Colonização da América, a raça vai ser usada para denominar os não europeus, os índios selvagens e os Africanos.

É pelo século XIX que raça ganha uma conotação científica baseando-se na biologia e tendo como critério classificatório o fenótipo dos povos. Traços físicos foram associados a traços psicológicos e comportamentais. Era uma forma de descrever o índio como, o negro como e o branco como, assim se justificava a dominação. Era, nesse discurso, o europeu levando o desenvolvimento e a civilização para os outros povos. É com o francês, Arthur Gobineau (1816-1882), que as teorias eugênicas ganham popularidade. Para ele, a mistura das três raças, branca, negra e amarela, levaria a humanidade a degeneração.  

É com o antropólogo francês Franz Boas (1858-1942) que o conceito de raça para seres humanos é questionado, para ele, não existirem raças humanas, pois “a humanidade é uma só do ponto de vista de suas capacidades cognitivas e de adaptação, mas as formas de adaptação e de construção das culturas são distintas”(ver PETRUCELLI). Cada grupo social desenvolve-se de forma distinta, mas sem o limite biológico. Um grupo humano, nessa perspectiva, não se distingue de outro por raça, código genético ou por qualquer outro fator biológico, mas sim por um processo histórico cultural. O termo mais adequado para classificar grupos humanos conforme identidade, cultura e história é etnia.

As espécies são grupos de indivíduos capazes de gerar outros indivíduos que sejam férteis. O cavalo e o Asno, por exemplo, podem se reproduzir, mas geram o burro,  que não é fértil, é um ser híbrido com cromossomas de número ímpar, 63,pois o cavalo tem 64, o Asno, 62

As raças são variações das espécies, para que se possa classificar em raça é necessário ter um conjunto de características invariáveis. Pode-se  formar raças de duas formas, uma, como nos cães, separando características físicas de filhotes e fazendo com que cruzem entre eles, outra seria por meio geográfico, a separação física e involuntária entre grupos da mesma espécie. Caracóis podem formar raças por fatores de isolamentos em vales ou mesmo pela dificuldade de locomoção da espécie. Por outro lado, Guepardos, que se cruzam entre si, pertencem a uma mesma família,

As alterações naturais ocorrem por adaptação ao clima, as espécies não estão estáticas, mas sofrem transformações ao longo do tempo. Cruzamento e adaptação são, portanto, fatores de diferenciação dentre uma mesma espécie, mas não necessariamente produzem raças.  Estas são “um estágio intermediário na formação de uma nova espécie” (BARBUJANI, p 61). A separação e o isolamento, mais adaptação ao meio ambiente, com o tempo, pode gerar uma nova espécie.

Segundo Guido Barbujani, o que há atualmente é uma única espécie humana, os seres humanos tenderam, ao longo da História, a miscigenação e à migração. Mesmo que se possa atribuir características para grupos regionais da espécie humana, não se consegue uma classificação precisa, há, por exemplo, uma variável muito grande de tons de pele, entre combinações tipo, cabelo, pele, estrutura.

É, portanto, inviável o uso de raça para classificação da espécie humana. Entretanto, embora não se possa usar raça em termos científicos, o IBGE utiliza em termos sociais. Não há uma base concreta e científica para o termo raça, mas, pelo uso do termo para classificar pessoas, para descriminalizar e segregar, é possível usar o termo raça “social”, ou seja, o uso do termo, embora não se refira a uma realidade biológica, tem um efeito social concreto.

Fontes:

BARBUJANI, Guido. A Invenção das raças. São Paulo: Contexto, 2007.

LAGUARDIA, Josué. Raça, evolução humana e as (in)certezas da genética. In: Antropo, 9 13-27. www.didatec.ehu.es/antropo

PETRUCELLI, José Luiz. Raça, identidade e identificação: abordagem histórico-conceitual. In: PETRUCELLI José, e SABIA, Ana Lúcia. Características Étnico-raciais da população: identidade e caracterização, IBGE, Rio de Janeiro, 2008. Disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=263405

Publicado em 27/07/2018