Lenin Lukacs


LUKACS: Lenin – alguns comentários.

Alexandre Lobo – Doutor em Literatura Brasileira – UFRGS

Em 2012 a editora Boitempo publicou um dos escritos do jovem György Lukacs (1885-1971), Lenin. O texto foi publicado originalmente logo após a morte de Vladmir Lenin (1870-1924) e a presente edição conta com uma apresentação de Miguel Vedda e um posfacio do próprio Lukacs reavaliando e revalidando suas posições. Não se trata de uma biografia sobre o líder russo, mas de uma abordagem panorâmica de suas ideias.

O húngaro Lukacs é uma figura polêmica dentro da história do marxismo, muito mais pela sua pessoa do que pela sua figura intelectual. Ele fora membro do Partido Comunista Húngaro e possível responsável pela censura e exílio de intelectuais húngaros entre 1945-1953,  participando, de certa forma, do governo repressivo de Stalin enquanto ocupara o cargo de Comissário do Povo. Ao final de sua vida, escreveu um testamento mostrando o reducionismo pervertido da forma de análise dos stalinistas. Neste mesmo documento, reflete sobre a possibilidade de Trotsky cometer os mesmos crimes que Stalin se houvesse conseguido ser o líder máximo da URSS frente as dificuldades históricas do implante do socialismo em um mundo capitalista hostil.

Embora enquanto intelectual ele não possa ser classificado como stalinista, estando acima da dicotomia trotskismo/stalinismo, muito de sua crítica literária, mas não sua produção teórico-metodológica, tem o ranço de quem viveu e comungou com o regime de Koba. É o caso, por exemplo, de sua aversão à obra de Franz Kafka. Ele a considerava como um surrealismo reacionário. Além de Kafka, outro de seu desafeto foi o realista Emile Zolá, que, embora tendo uma vida engajada, para Lukacs, sua produção realista levava o operariado à apatia. Mas, no fim de sua vida, após ter escrito um manifesto antistalinista, Lukacs reconheceu a importância do escritor tcheco que tentara uma vida no meio de anarquistas.

O livro Lenin deve ser lido. Sim, é um bom livro, mas tem que ter ressalvas. Lukacs parece contribuir para o desenvolvimento do culto à personalidade. Mesmo em seu posfacio, as teorias de Lenin parecem infalíveis, perfeitas e feitas por um homem exemplar, perfeito. Lenin, conforme a impressão que o texto de Lukacs passa, está no mesmo patamar teórico que Marx. E, implicitamente, está além. Afinal, Marx, embora fosse entusiasta das insurgências francesas, não protagonizou nenhuma revolução vitoriosa e duradoura. Foi Lenin quem realmente unificou a teoria revolucionária com a prática. Lenin, segundo Lukacs, realmente executou a práxis revolucionária, enquanto que Marx somente a pensou.

É um livro escrito por um jovem intelectual e tem a empolgação própria. Mas nem por isso perde seu valor. É um livro que mostra um Lenin, consciente da necessidade de desenvolvimento do capitalismo russo, capaz de fazer análises contextuais para seguir uma linha de ação. O Lenin de Lukacs não fez da Revolução uma crença determinista, ele sabia que, mesmo com o desenvolvimento das forças contraditórias, o socialismo não é o resultado necessário do capitalismo, seu devir deve ser objetivado, conduzido pela ação de homens concretos. Segundo Lucaks, Lenin entnedia que "a função do partido na preparação da revolução faz dele, ao mesmo tempo e com a mesma intensidade, produtor e produto, pressuposto e resultado dos movimentos revolucionários de massa” (p 51). Nem a revolução está pronta e nem o partido são resultados da evolução da História, e devem ser trabalhados, construídos para o socialismo.  Para isso, são necessários estudos e formulações teóricas que orientem a ação, é necessário que passar da teoria à práxis, “tal passagem é ao mesmo tempo um progresso teórico, por que é uma passagem do abstrato para o concreto” (p 66). É preciso redescobrir a realidade, desvendá-la com um instrumental teórico, mas a teoria é construída a partir da vivência. O instrumental de Lenin era o materialismo dialético, o que lhe possibilitou ler o contexto histórico de outubro de 1917, perceber que, sem ação não teria revolução, e que era um momento propício para a implantação do sistema socialista na Rússia de Kerensky.

A compreensão dialética da história e do contexto passa pela frase de Marx no prefácio de 18 Brumário de Luis  Bonaparte: "os homens fazem a história, mas não nas condições escolhidas por eles, e sim nas que são herança do passado". Mesmo de forma adversa, são os homens que fazem a história, e não etéreos determinantes econômicos ou divinos. Lenin não esperou que a Rússia se industrializasse, desenvolvesse sua burguesia e seu proletariado, Lenin fez uma revolução. Mas a fez em um contexto de superexploração de um campesinato sufocado por uma Guerra Mundial que levava seus filhos à morte.

O partido tem que aprender a fazer a revolução, tem que aprender a entender a conjuntura política. A esquerda, de certa forma, é carente de uma teoria da revolução. Não se trata de pensar em um manual de como transformar o mundo, de criar um guia de ação, mas de pensar nos princípios revolucionários, de refletir não apenas suas causas ou consequências, mas seus fundamentos. E, no contexto de Lukacs, a maior parte dos marxistas acreditava que, dentro de uma visão evolucionista, a revolução seria inevitável, cabendo aos partidos comunistas apenas acompanhar o processo, assumindo o protagonismo de um episódio inevitável.

O Lenin de Lukacs, por sua vez, teria pensado na revolução e sua relação com o Estado burguês, abordando pontos que Marx apenas indicou. Indo na contracorrente do pensamento dos partidos comunistas da época, é essa questão que engrandece a obra do jovem filósofo húngaro.

Outros pontos importantes são a percepção de Lenin, segundo Lukacs, de que uma possível revolução burguesa deva ser transformada, pelo partido revolucionário, em proletária e, em consequência, a subversão, não do Estado, mas da concepção de Estado. A estrutura socialista deve desmantelar o sistema representativo burguês e instaurar o sistema soviético, das câmaras, assembleias e senados para um sistema de conselhos populares. “O proletariado precisa entender que a conquista estatal é apenas uma fase dessa luta.” (p 85) A revolução socialista não termina com a conquista do poder, ela deve consolidar-se em uma nova estrutura de poder.

Se o Lenin de Lukacs está além de dogmatismos e culto a personalidade, o mesmo não pode ser dito do autor de Lenin. Mas, Lukacs, que viveu e conviveu com a construção do culto à personalidade de Stalin, mesmo mostrando o líder da revolução como infalível em suas ações e análises, apontou pontos importantes que ainda carecem de um desenvolvimento aprofundado para uma ação revolucionária eficaz.