Izmael

 "Missa do Galo"

IZMAEL 301-2011

Ainda acho graça ao me lembrar de um conversa que tive certa vez. Era ainda casada com o escrivão Menezes e morava no Rio de Janeiro.

Lá pelos idos de 1861 ou 1862, não me recordo bem, um primo da primeira esposa de meu marido veio morar conosco para estudar os preparatórios. Moleque ainda, devia Ter por volta de uns 17 anos. Posto que eu tivesse já os meus 30 é de notar que a diferença era bem acentuada e, portanto, nunca dei importância a sua presença. Tratava-o com hospitalidade e só. Ora, tinha mais o que fazer do que ficar de conversa com um frangote daqueles. Além do que, era-se necessário manter as aparências, o que pensariam se me vissem pelos cantos com ele? Decerto me chamariam “desfrutável”!

Pois então, era uma noite de Natal e o mau-caráter do meu marido havia saído para dormir com a meretriz com a qual costumava me trair.

O “frangote”, acho que seu nome era Nogueira, mas como já disse, não me recordo muito bem de detalhes... Enfim, o Sr. Nogueira, ao contrário do que eu esperava, decidiu ficar na cidade para assistir a Missa do Galo. Imagine que o pobre me disse que gostaria de ouvir a missa da Côrte porque devia Ter mais luxo e mais gente. Ora, como se todas as missas não fossem iguais! Mas também, o que esperar de um rapaz vindo de Mangaratiba?

Naquela noite, ao jantar, descobri que o menino ficaria esperando acordado até a meia-noite para ir chamar o amigo, com quem havia combinado de ir à missa. Eu, que então estava entediada resolvi me distrair um pouco. Permaneci acordada enquanto todos foram se deitar e, depois de passado um tempo que o bastardo do meu marido tinha saído, eu desci sorrateiramente e me pus a procurar onde estava o garoto. Passei pelo corredor, arrastando levemente as chinelas para não fazer barulho. Olhei nas salas de visitas e de jantar mas só fui encontrá-lo na sala da frente, próximo a porta, absorto em um romance. Admirei a paciência do rapaz, por esperar tanto tempo acordado.

- Que estavas lendo?

Imaginava que fosse “Os 3 Mosqueteiros”, pois já o tinha visto atracado a esse livro várias vezes. Logo, completei:

-Não diga, já sei, é o romance dos Mosqueteiros

-Justamente: é muito bonito

-Gosta de romances ?

-Gosto.

-Já leu a Moreninha?

-Do Dr. Macedo? Tenho lá em Mangaratiba

-Gosto muito de romances, mas leio pouco, por falta de tempo. Que romances tem lido?

Ah! Péssima hora em que fui fazer essa pergunta! Em questão de segundos meu interlocutor já estava enumerando uma lista gigantesca, enquanto que o que eu menos queria era discutir literatura. Recostei minha cabeça no espaldar. Lembro-me que meus olhos fechavam de sono e, então, para me distrair e ao mesmo tempo não ser grosseira comecei a reparar em seus traços, em seu rosto juvenil... Em pouco tempo tive uma idéia que me deixou eufórica. Porque não? Pensei eu! Acho que cheguei a passar a língua nos lábios, tal foi a cara de espanto que ele fez de repente enquanto falava. Quando finalmente acabou de falar eu já estava desperta, com os rosto sobre os cotovelos sem desviar os olhos dele. Mas ele não era muito esperto... Deve Ter pensado-me aborrecida, posto que disse:

— D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu...

— Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio; são onze e meia. Tem tempo. Você, perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia?

— Já tenho feito isso.

— Eu, não; perdendo uma noite, no outro dia estou que não posso, e, meia hora que seja, hei de passar pelo sono. Mas também estou ficando velha.

— Que velha o quê, D. Conceição

O elogio claro, me fez sorrir. Não que eu me achasse velha, m