Nota sobre o fascismo

Prof. Alexandre Lobo

Publicado em 28/072017

Nota sobre o fascismo

Com a ascensão de Donald Trump na presidência dos EUA, uma quase vitória dos Le Pen na França e o crescimento expressivo da candidatura de Jair Bolsonaro, portadores de discursos radicais, nacionalistas e contra os chamados direitos humanos, é pertinente discutir conceitualmente o fascismo. Não se trata de um conceito meramente utilizado para uma classificação rígida de discursos, mas sim de destacar alguns elementos de sua origem história que possam nos fornecer instrumentos de avaliação sobreva possibilidade de ascensão do fascismo no mundo contemporâneo. Nas breves linhas que se seguem, resumidamente, o contexto do surgimento, a relação fascismo/nazismo e a questão de sua composição social.

O contexto:

A análise do processo de formação do fascismo requer atenção nas consequências da I Guerra Mundial no mundo europeu. Foi condição para o surgimento do fascismo um período precedente de política social instável em seus países de origem e uma guerra de redivisões de territórios entre já realizada ou em curso entre as potências imperialistas. Para Nícolas Poulantzas, a guerra e a instabilidade apenas fazem parte do contexto, mas o essencial é o novo papel do Estado, o de intervencionista no capitalismo imperialista. O que não se pode negar é que a crise econômica de 1929 enfrentada pela Europa, resultado de políticas liberais e da guerra, principalmente a Alemanha e a Itália, aliada a crise política e social, serviram de matéria prima para o fascismo.

A crise econômica, sofrida pelos países europeus que perderam espaço no mercado internacional para os EUA , afetou principalmente a camada social que, segundo Leon Trotsky (ver MANDEL), seria a base do fascismo, a pequena burguesia, e, fomentou o nacionalismo. Para a Alemanha, a derrota significou o desastre econômico, dívidas externas, frustração da expansão comercial e a necessidade de reconstrução industrial. Mesmo depois de uma recuperação econômica, houve a crise de 29 que levou a Alemanha ao colapso, em 1929, os desempregados representavam 14,6 da população ativa, em 1932 esse índice chegava à 45%, 5,5 milhões de pessoas. Destes, 2 milhões não recebiam qualquer auxílio do Estado. O preço do pão, em hiperinflação, era 63 marcos em 1928, passou a 163,15 em 1922, 250 em janeiro de 1923, 3465 no mesmo ano, e e setembro já chegava à 1512000, atingindo 2010000000 em novembro. A economia alemã regrediu a forma de escambo, uma vez que a moeda não tinha mais valor algum. Na Itália, a “vitória mutilada”, que não trouxe benefícios, teve como consequência a inflação, o deficit comercial e a necessidade de readaptação da indústria. A crise gerou desemprego e a ruína dos pequenos capitalistas.

Na esfera política, nessas nações, temos um Estado que não consegue responder às demandas sociais da crise. Em uma estrutura democrática, surgem duas soluções: o socialismo ou o fascismo. A burguesia adere ao fascismo e pretende usá-lo contra o avanço socialista que ameaçava seus bens. O período de crise demandou um Estado forte e centralizado para poder salvar o capitalismo e amenizar os conflitos sociais. O Estado prometia um desenvolvimento harmônico da economia.

Na questão social e ideológica, a guerra trouxe a humilhação para aqueles que defendiam o nacionalismo. A necessidade auto afirmação e sentimento de superioridade afloraram. No plano social, os milhares e milhares de militares saídos da guerra foram matéria prima para a promoção da agitação e violência fascista. Estes se organizaram em associações de ex combatentes ou em organizações paramilitar. Oriundos da classe média, desajustados à ordem social, constituíram bandos armados, muitos dos quais, ex-combatentes. Assim, jovens que, na idade de entrarem no mercado de trabalho, foram para a guerra, tendo a violência como parte de sua formação. Na Alemanha, as Seção de Assalto, as S. A., eram organizações paramilitares de proteção ao Partido, embora independente deste em termos de organização. Uma vez no poder, Hitler criou as S. S, que de inicio era uma guarda pessoal, caracterizada por ser um grupo fechado com alta fidelidade ao líder, mas passou a ser uma espécie de ordem de elite, independente do Partido, dentro do Estado Nacional Socialista.

Fascismo e Nazismo

O fascismo não foi uma ideologia no sentido de possuir dogmas sistematizados de forma coerente e clara, com fins precisos e projeto social claro para o futuro, não chegou a ser uma utopia. Entretanto, se caracterizou como antissocialista, embora em sua fase inicial, no discurso, também fosse anticapitalista.

O fascismo se preocupou muito mais com ações do que com dogmas. Mussolini afirmou, em 1926, que o fascismo não necessitava de dogmas, sendo uma disciplina. Hitler, negando-se a apresentar um programa na sua campanha eleitoral de 1933, declara: “Todos os programas são inúteis, o que importa é a vontade humana.” Não se trata de uma doutrina, mas de um movimento e, desta forma, estrutura-se mais como uma mitologia e não como uma política. O líder carismático e mítico aparece como o salvador da nação e quer atingir de forma emocional seus seguidores. Huxley, em Regresso ao Admirável Mundo Novo, mostra como os gestos de Hitler, durante os comícios, eram apelativos: a mão fechada significando força e violência.

Embora influenciado por grandes pensadores, como Nietzsche com o super homem, ou Durkheim, com o corporativismo, o fascismo é mais um amontoado de ideias simples, slogans e apelações. Suas características são: Estado forte que realize as aspirações de uma sociedade dominada por uma raça superior ou uma elite; econômica organizada em forma de corporativismo; o irracionalismo como superior aos valores intelectuais. As contradições sociais se diluem no irracional. Partido único e ação controlada pelas elites pensantes como forma de controlar as massas e nacionalismo para justificar o expansionismo.

Em primeiro momento, o fascismo se mostrava socializante, embora antibolchevique, como uma terceira via em relação ao comunismo e o capitalismo. Mesmo sabotando greves organizadas pelos socialistas, também as organizava como forma de atrair o operariado. Entretanto, ao ganhar a adesão do grande capital, o socialismo se torna apenas retórico e o nacionalismo é fortalecido. A fluidez da “ideologia” fascista permite que o movimento aglutine diversas camadas sociais e se molde a elas.

Entre o fascismo italiano e o nazismo alemão, a principal diferença consiste no fato de que o segundo ter tornado a perseguição aos judeus uma política Estado. Para Hana Arend o fascismo italiano distingue-se do nazismo alemão por não conseguir tornar-se totalitário. Entretanto, em linhas gerais, ambos regimes opunham-se a democracia liberal.

A composição social do fascismo

O fascismo, segundo Poulantzas, não é um fenômeno de classes, mas de massas, tendo o impacto popular como acontecimento real. As massas são compostas de classes. Na visão de Trotsky  “a base genuína do fascismo é a pequena burguesia. (MANDEL) o operariado não aderiu ao movimento e nem se identificou com ele.

A relação com o operariado mostra-se inicialmente de forma ambígua. Na tentativa de mostrar como a terceira via entre o capitalismo e o comunismo, é preciso atrair o proletariado com propostas socializantes ao mesmo tempo em que é anti comunista: “se entrega a ataques sistemáticos contra as organizações da classe operária, (...) apoia greves reivindicativas duras.” (POULANTZAS, p 178) O corporativismo era a forma de atrair o operariado, pois “toma aqui o sentido de uma chamada à razão ao poder e da autoridade, por controle operário no interior de uma organização em que a massa operária imporia a sua vontade ao patronato. “ (p 177). No poder, há um processo de liquidação da organização operária, neutralizando o conjunto da classe, o que proporciona um crescimento da exploração. Apesar dos chamamentos do fascismo à classe operária, esta foi a que menos aderiu a ele e permaneceu, “em sua maior parte, fiel às suas organizações tradicionais e socialistas (p 46) Entre as classes populares rurais, onde havia relações feudais, como na Prússia Oriental, o fascismo teve grande penetração, assim como entre pequenos proprietários rurais. Entretanto, entre o campesinato pobre e o operário agrícola, não houve grandes adesões ao fascismo, sendo que o campesinato não pertenceu à ala ativa do fascismo.

É na pequena burguesia que o fascismo tem sua base, sua ala ativa, é ela que sai arruinada com a guerra e é capaz de ter uma aproximação maior com o proletariado em benefício do capital. Tanto na pequena burguesia tradicional, como a nova, os funcionários públicos e a aristocracia operária, podemos encontrar os elementos que fizeram o fascismo anticomunista e ao mesmo tempo crítico do grande capital (quando não está no poder), atribuindo ao operariado o fracasso da pequena burguesia e mostrando o capitalismo como uma sociedade podre. Mas esse anticapitalismo restringe-se ao capital de origem judaica. Verificou-se que quando o movimento recebe apoio do grande capital alemão, ao chegar ao poder, a pequena burguesia passa a ter somente o papel de agente ativo, pois o movimento havia incorporado os interesses dos grandes capitalistas.

Consideração final

O Fascismo não é um fenômeno que surge das massas como um todo, mas é um fenômeno que as atinge e que precisa delas para se manter e legitimar. É um fenômeno que tem também um forte componente emocional, pois afirma-se em momento de crise como se fosse uma solução. E as chamadas classes médias, aqueles que não se identificam com o operariado, e que se acham injustiçadas por políticas sociais que não as atingem, mas que também se sentem lesadas pelo grande capital, ao qual almejam integrar em um futuro, são as que compram o discurso fascista e moralizante.

Textos base

POULANTZAS, N. Fascismo e ditadura. São Paulo: Martins Fontes, 1978.

MANDEL, Ernest. Introdução: A Teoria do Fascismo Segundo Leão Trotski. In: https://www.marxists.org/portugues/mandel/1974/mes/fascismo.htm

MARQUES, Adhemar Martins (org). História Contemporânea através de textos. São Paulo: Contexto, 1990.

VICENTINO, Cláudio. Historia Geral. São Paulo: Scipione, 2002.