Linha Campus 43
Retratos do Brasil - Linha Campus 43
Alexandre Lobo*
Fugia do frio e de minhas angústias tentando esquentar minhas mãos dentro dos bolsos da jaqueta. A miséria humana fazia-se presente dentro daquele ônibus. Ao fundo, um homem bêbado falava coisas que nem me interessavam. Prestei atenção no garoto gordo que entrou pela porta da frente. Ele fazia gestos mostrando que era mudo enquanto entregava um cartão pedindo dinheiro e apertava a mão de todos.
Suspeitei que não era mudo de fato e que, ao sair do ônibus, ele daria belas risadas de quem lhe houvesse dado dinheiro. Sua expressão era de tristeza, quase choro, talvez fosse treinado para isso. É que estou um pouco cético em relação à humanidade. Lembrei-me de um outro episódio, ou impressão (como queiram), também em um ônibus. Um homem chorava: "Sou paralítico e inexperiente, por favor, me ajudem. Um mandolate por um real". O ônibus estava quase lotado. O som da voz humana misturava-se com o barulho do motor até formarem algo homogêneo para quem estava alheio ao mundo. Ele andou de um canto ao outro. Já não era somente sua voz que se diluía, mas também sua imagem ante aos outros passageiros. Algumas garotas trabalhadoras bem lavadas. Talvez aquele homem não tivesse tomado banho e o ônibus lhe era indiferente ao percorrer a estrada. Enquanto uma mulher comprava o mandolate, desculpei-me pelo comodismo de manter minas mãos levemente aquecidas. A voz dele repetiu-se como um disco arranhado. No centro de Porto Alegre os camelos vendiam cinco mandolates por um real.
Volto ao garoto. E o que importava se estava fingindo ou não? E se ele era explorado pelos pais? Isso mudaria sua condição de miséria? Grande porcaria as moedas que ganhou. Senti-me impotente. Minhas dívidas financeiras pesavam-me, mas algumas moedas eu tinha, não iriam fazer grande diferença. Pensei que isso não o ajudaria, não mudaria as estruturas. Desculpa. Sentimento de culpa misturado com uma leve dose e altruísmo.
Ele passou por mim e eu não fiz nada.
Estava frio, início de inverno. Estávamos chegando ao campus. Compreendi que o homem dos fundos não queria pagar a passagem. Poderia ser eu.
O ônibus dobrou e pude ver um lindo azul no céu, gostaria de Ter tirado uma foto. Era um buraco azul, vermelho e amarelo entre nuvens cinzas. Foi só por uns instantes. O céu, acima dos homens, acontecia sobre suas misérias. Um sinal de esperança ou um deboche? A beleza celeste não me livrou das dívidas nem deu mais moedas ao garoto ou pagou a passagem do homem dos fundos.
Chegamos ao fim da linha.
Ventava forte. Desci.
Fui ao bar da faculdade tomar um café com as moedas que não dei.
História – UFRGS