A literatura, a cultura de massas e o Imperialismo
A Literatura, a Cultura de Massas e o Imperialismo
Prof. Me. Alexandre Lobo - UFRGS
O imperialismo é uma das marcas do século XIX. Trata-se do momento em que as nações capitalistas industrializadas, impulsionadas pela necessidade de mercado consumidor e matéria prima, estenderam suas garras para a Ásia e África. Diferente do colonialismo, caracterizado pela ocupação e situado na fase do capitalismo comercial, esta nova forma de dominação apresentava-se de diversas formas. O predomínio do capital financeiro sobre o capital industrial, a tendencia monopolista de grandes empresas são, segundo Vladmir Lenin em seu ensaio Imperialismo, fase superior ao capitalismo, características distintivas desta nova etapa do capitalismo. A imposição de uma nação ou região sobre outra vai além do ataque com canhões precedido por desembarque. Isso ocorria na época do colonialismo. Podendo ser mesmo mais barato, uma vez que não necessita de ocupação, o novo domínio se exerce pela chantagem financeira e pela cultura. Esta pode revelar-se como uma imposição de valores e práticas de uma metrópole sobre a colônia ou ainda como justificativa de domínio de uma sociedade industrial sobre outra ainda agro pastoril ou extrativa. Era o caso das nações européias sobre as sociedades da Ásia e África. A grande justificativa para o imperialismo pautava-se na visão positivista de história que entendia esta como um contínuo de progresso. A Europa, que progredia, tinha então uma missão de caráter civilizatório. A África e a Ásia, tecnológica e belicamente atrasadas, deveriam sofrer o processo civilizatório trazido pelos europeus.
Na Literatura, o imperialismo refletia-se em romances de aventura como o de Rudyard Kipling (1865-1936), O Homem que queria ser rei. Trata-se da historia de dois europeus que resolvem conquistar um país ao norte da Índia chamado de Kafiristão. Em uma perspectiva diferente, Joseph Conrard (1857-1924), nascido na Ucrânia e educado em uma Polônia ocupada Rússia, mostra o imperialismo oom sua face nociva aos povos entendidos como inferiores. O herói de Conrand, um europeu em aventura na África ou na Ásia, vive a pretensão de levar vantagem sobre povos de nações ainda não urbanizadas. É o caso de Willen de Um vagabundo das Ilhas eMarlow de Coração nas trevas, que acabam sendo devorados pela selva. É a natureza vencendo a civilização. Em Pária de August Strindberg (1849-1912) personagens, enigmáticos X e Y que poderiam significar os cromossomas, ou mesmo uma equação. Um destes personagens …. é arqueólogo. Este, autor de um crime, um assassinato de um ser sem paretenes que o pudessem reclamá-lo, segue impune em seu sentimento de superioridade. Seria uma referência à impunidade das potências européias em suas conquistas? A Inglaterra seguia impune ao impor o consumo de ópio à China. Até meados do século XIX,a arqueologia era uma atividade de coleta de artefatos. Aventureiros originários dos países imperialistas, empenhados em enriquecer, buscavam objetos valiosos e antigos nas regiões colonizadas. Os achados eram leiloados a grandes colecionadores.
Kipling, por sua vez, é mais definido quanto ao imperialismo. Seus personagens, excluídos em seus locais de ogirem, párias na Europa, tornam-se reis no meio de povos bárbaros. Os piores homens europeus são os melhores na Ásia ou na África. Daniel Dravot e Peachey Carnehan de O Homem que queria ser rei, embora maçons, eram vagabundos ingleses, trapaceiros e adeptos da riqueza com pouco esforço que vão para um país ainda não explorado pela civilização ao norte da Índia, o Kafiristão para serem reis. O curioso é que eles não sabem e nem procuram aprender a língua local, afinal, falam a língua dos deuses. Eles se comunicam com seus dominados por meio de Billy Fish. que traduzia o inglês para os nativos. Para chegarem lá, Dravot finge-se de louco e eles atravessam as terras de hordas selvagens de negros. Assim como para os norte-americanos, todos os povos do sul são mexicanos, vide o filme Um dia sem mexicanos, todos os asiáticos e africanos são negros, tudo é homogeneizado. Gregos e romanos entendiam que todos os povos que não tivessem sua cultura eram bárbaros. Da mesma forma, por ocasião das grandes navegações, todos que não fossem europeu ou de outra civilização conhecida, eram indianos. Tudo era Índia. A homogeneização é importante na dominação, o dominador necessita tornar a dominação impessoal. Este processo tem que se dar de forma que o povo conquistado seja desumanizado para diminuir os riscos de problemas psicológicos.
Não é atoa que os personagens de Kipling sejam párias na Inglaterra e tenham se tornado dominantes no Kafirstão, foram os rejeitados da Europa que se dispunham a realizar o empreendimento da ocupação em terras desconhecidas ou entendidas como selvagens. Nas colônias do Norte da América do Norte, as colônias de povoamento, a colonização deu-se pelos pertencentes a seitas religiosas ou condenados que tinham suas penas abolidas para cumprirem um serviço para a coroa inglesa. As colonizações espanhola e portuguesa não foram diferentes. Não dá pra imaginar que alguém do topo da pirâmide social européia se dispusesse a trocar o conforto de um lar relativamente seguro e sem ameaças de ataques indígenas por uma vida no meio do mato e cheio de perigos locais, como doenças desconhecidas ou revoltas nativas..
Os povos negros são desorganizados, sem unificação, sem Estado e com armas primitivas que vão ser subjugados pela pólvora. Estes povos estão em guerra, prontos para se destruírem. Sãos os europeus, mesmo os párias, que estão prontos a unificá-los, levar-lhes a civilização. É a partir do contato com o homem europeu que eles poderiam ser dignos de sua majestade britânica.
Os britânicos Peachey Carnehan e Daniel Dravot vão além das tarefas de tornarem-se reis. Dravot. é tido pelos negros como um deus. O branco deus unifica hordas de negros que agem como brancos. Agir como branco é como agir como civilizado, superior. A evolução, para estes povos se dá por um agente exterior, representante da cultura européia, embora os negros não entendam o que seja europeu.
O processo civilizatório, no final, mostra-se ineficaz. Para os selvagens seria melhor uma teocracia seguindo a risca os preceitos religiosos. Quando Dravot resolve casar, desmascara-se como deus e o resultado é a perda literal de sua cabeça coroada. Os “kafiristanienses” não estavam prontos para a política e a semelhança com os britânicos era uma ilusão.
Na terceira década do século XX, um novo imperialismo, com tendências mais homogêneas buscava impor sua cultura e seus valores. Era a era da industria cultural e sua cultura de massas. Impunha-se o American way of live, o estilo de vida norte-americano. Super-homem e Capitão América vestiam a bandeira norte americana contra bandidos ou inimigos da democracia. Em nome da defesa dos valores democratas ocidentais cristãos, a literatura e a produção cultural de massa norte-americana justificava a expansão de domínios. Super-homem, quase um deus, vindo de Kripiton, cairia justamente na melhor nação do mundo. E, com todas as suas forças, seria incapaz de interferir na ordem mundial para transformá-la, pois seu mundo é essencialmente norte-americano. Na segunda metade deste século, o problema não era mais somente povos bárbaros a serem catequizados, mas uma ameaça externa, o perigo vermelho. Neste sentido, as obras de Iang Fleming, com seu agente 007, ou a de Jacky Finney, Invasores de corpos, contextualizados na guerra fria, tratavam de retratar o inimigo como seres robotizados, desumanos. Sob a América Latina, os EUA lançavam suas guarras para defendê-la dos agentes do mal. Em termos de televisão, ou mesmo em pequenos livros, os EUA procuravam justificar sua própria carnificina na corrida para o Oeste em historinhas de bang-bang. Bandoleiros como Bufalo Bill ou genocidas como General Custer, responsáveis pelo extermínio de indígenas, eram transformados em heróis. Entre os franceses, temos como exemplo de cultura de massas o personagem Tintim, criado por Georges Remi, justificando o imperialismo. Tintim, criado na década de 30, jovem repórter, envolve-se em diversas aventuras. No episódio Tintim no Congo, podemos perceber pela análise das tiras -em anexo, a visão de superioridade do homem branco. Um jovem e seu cachorro, Milu, são carregados por negros. Em uma outra, dentro de um carro, o cão fica no banco da frente. Em outros momentos, vemos Tintim ensinando matemática aos africanos que têm dificuldades em apender
A literatura pode servir para produzir no imaginário situações que levem a refexões e a percepção crítica do status quo, pode ser instrumento de denuncia de uma desigualdade social ou de uma injustiça, mas pode também servir para a manutenção ou justificativa da sociedade. Literatura e cultura de massas criam imagens. E essas imagens geram ideias que podem evoluir e constituir um sistema de valor conhecido como ideologia. Essa ideologia naturaliza posturas e difunde valores. Desta forma, a literatura e a cultura de massas estavam e estão associadas a políticas imperialistas. A cultura, atividade de cultivo, de repetição sistemática de determinado saber, pode estar a serviço, mesmo que não seja o interesse, de uma política.
Fontes:
ECO, Umberto. O mito do superman. In: Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1993.
FUNARI, Pedro Paulo. Arqueologia. In: http://books.google.com/books?hl=pt-BR&lr=&id=eEIvncv8TZIC&oi=fnd&pg=PT10&dq=origens+da+arqueologia&ots=nN4K2IMfO_&sig=171WnkRqXbmQxj7fiz1DZBgBxGc#PPP1,M1.
KIPLING, Rudyard. El hombre que quiso ser rey. Librodot,2002. Www.librodot.com
LENIN, Vladmir. Imperialismo, fase superior do capitalismo. Moscou: Editora Progresso, 1981.
TAYLOR, Peter. Geografy. New York: Longmam, 1975.
REMI, Georges. As Aventuras de Tintim - Tintim no Congo, In: Le Petit Vingtième, Bruxelas, 1930.
SAID, Eduard. Territórios sobrepostos, Histórias entrelaçadas. In: Cultura e Imperialismo. São Paulo: Cia das Letras, 1995.