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A fome

 

A FOME

Prof. Alexandre Lobo

Em sentido sociológico, a fome não é aquela sensação de vazio no estômago que nos desperta a vontade de comer algo. Não, ela é uma situação, uma questão conjuntural relativa a um longo período que um grupo de indivíduos fica sem ingerir elementos nutrientes ou calorias necessárias à manutenção de seu organismo. Neste sentido, fome é sinônimo de subnutrição ou desnutrição. Não se trata, portanto, de comer ou não comer, mas sim de o que comer.

A fome energética é conhecida como global e a de nutrientes como proteínas, vitaminas e sais minerais é a parcial. Ambas as fomes têm seu reflexo na saúde, pois provocam deformações físicas e proporcionam a queda da imunidade do corpo contra doenças. Um sujeito desnutrido apresenta estrutura e peso abaixo do recomendável, além de baixa capacidade de aprendizado ou concentração. A cegueira e a mortalidade infantil têm vínculos com a fome. No Brasil, pessoas de baixa estatura foram apelidadas de “homens-gabirus”. Os índices de pessoas baixas concentram-se no Nordeste, com 28% contra 16% da média nacional. Já nos países desenvolvidos, ocorre um crescimento da população.

Um dos teóricos da fome foi Malthus, para ele, ela era inevitável, uma vez que a população cresceria de forma geométrica enquanto a produção de alimento de foram aritmética, ou seja, a produção de alimentos não conseguiria acompanhar o crescimento demográfico devido ao esgotamento da capacidade produtiva de alimentos. Mas essa teoria no século XX foi ultrapassada pelo desenvolvimento da produtividade agrícola. Há tecnologias hoje para produzir mais em menos espaço e tempo. Além disto, uma análise da estrutura fundiária do Brasil revelaria que a fome é mais resultado de uma cultura econômico-política que sempre privilegiou o enriquecimento de poucos e uma produção voltada para o mercado externo e não para as necessidades da maioria da população. Isso retoma o Brasil colônia, com uma estrutura baseada na grande propriedade e uma produção de cana-de-açúcar destinada a suprir as demandas do mercado europeu.

Na questão da distribuição de terras, dos meios de produção de alimento, a nomenclatura do Estatuto da Terra de 1964 a partir da pequena propriedade, a propriedade familiar, correspondente ao módulo rural, que seria o pedaço de terra com tamanho necessário ao sustento de uma família. Não há uma definição em termos numéricos porque a quantidade de terras necessárias à produção de subsistência pode variar de região para região, levando-se em consideração as questões climáticas e condição do solo. O minifúndio seria um pedaço de terra menor que a propriedade familiar. Ocupando apenas 8,8% da área rural do total do território brasileiro, corresponde a 52% da propriedade agrária.

A empresa rural corresponde a um território até 600 vezes maior que o módulo rural e tem pelo menos metade de seu território explorado e ocupa 5,6 % do território. Território maior que a empresa rural é o latifúndio que pode ser dividido em: por dimensão, explorado ou não, correspondendo a 7,8 da área ocupada; já o por exploração, ou seja, não explorado, corresponde a 77,7% da área ocupada e representa menos de 1% do total das propriedades. Assim como há uma concentração de renda nas mãos de poucos, há também uma concentração de terra no Brasil que retoma à distribuição das sesmarias na época da colonização e a Lei da Terra de 1850, quando a posse da terra passou a ser paga para evitar que os futuros libertos da escravidão se tornassem proprietários. Esta Lei da Terra coincide com a lei de 1850 que proibia o tráfico de escravos.

Há uma lógica capitalista na produção social da forme. Os latifúndios improdutivos servem para a especulação sobre o valor da terra enquanto que a maior parte dos alimentos da população é produzida nos minifúndios. É a herança da colonização, uma produção destinada ao mercado externo, produzir para vender e receber em moeda estrangeira. O minifundiário ou o proprietário familiar tem que produzir seu alimento, pois se pensar em produzir para exportar, não conseguirá o suficiente para comprar produtos de sua necessidade, assim, produz para sua subsistência primeiro e depois vende o que sobra. Já a grande propriedade, quando produtiva, dedica-se ao que é mais lucrativo, produzir para o mercado externo, soja para as rações dos bois europeus.

A fome é um problema dos países do Terceiro Mundo, mas ao contrário do que pensava Malthus, não é resultado meramente do crescimento da população, mas da concentração de riqueza mas mãos de poucos e de uma lógica de uma pequena parcela da população que não está preocupada com o bem-estar da humanidade e sim na acumulação de riquezas.

Fontes:

ADAS, Melhem. A fome: crise ou escândalo? São Paulo: Moderna, 1988.

DIMENSTEIN, Gilberto. Cidadão de papel. São Paulo: Ática, 2002